A semana antevia-se trabalhosa. Entrava-se no último mês de trabalho e os dias que aí vêm não se prevêem nada fáceis. Como sempre, os afazeres amontoam-se e pelo meio ainda há 5 dias de férias por época da Páscoa e mais uma viajem de 4 dias até Cusco, esta última em trabalho e quiçá lazer. Ou seja, 5 dias de improdutividade…
Por supuesto, com o mesmo pensamento pessimista, o Todo o Poderoso resolveu brindar os limenhos com um espesso manto de neblina. O efeito de estufa abatia-se sobre toda a cidade e para os menos habituados, como yo, a respiração efectuava-se com mais intensidade. Lima, deve ser a única cidade que se pode lutar com Londres pela quantidade de “smog”. Tal com a capital Inglesa, também esta enorme cidade é privada do sol durante 7 meses ao ano. Algo que se explica pela quantidade de poluição na atmosfera e pela diferença de pressões na atmosfera entre ela e os montes circundantes.
Lá pela uma veio a primeira espreitadela e há minha saídas, mais ou menos pelas 4:30 já estava resplendoroso no seu sítio do costume. A caminho do far west…
Este dia ficou também marcado pela minha segunda visita a um supermercado de produtos pirateados, desviados, falsificados, roubados, contrabandeados, o que possam imaginar… Desta vez fui comprar umas sapatinhas à zona dos contrabandos, ou seja. Não paguei imposto. Bem aquilo tinha tudo o que queriam… Sapatilhas Nike, Adidas, Puma, Reebok, O’Neal, Vans, DVS, DC, Etnies, etc., etc., etc. Tudo original e a um preço que apetecia trazer uns 10 pares. Havia quase todos os modelos… Um imensidão de sapatos, botas, t-shirts, calças, camisas, dvd´s, óculos, relógios, perfumes, etc. estendia-se até onde a vista alcançava. O calçado era todo original, a roupa não me davam a certeza, óculos, relógios, perfumes via-se a sua veracidade pelo preço e os DVD’s e Jogos tudo pirateado. Por fim, o material informático, consolas, som, vídeo e fotografia eram aos pontapés, talvez desviados, talvez roubados, talvez… mas sempre mais barato que no resto da cidade. A tecnologia é cara pois há pouca, e já sabemos, quanto mais rara, mais cara… Já tive para vender o portátil por 2000USD, só depois fiz as contas e em euros era quase o mesmo que tinha pago por ele… Ainda por cima ficava sem computador para cronicar… Nop, talvez no final. Depois de dar umas voltas, andarmos por lá perdidos e de rebuscar tudo à procura de bons preços, saímos porta fora e com as sapatilhas bem agarradas, não fosse um abutre “ratero” passar e leva-las como é habitual por estas paragens, apanhou-se um táxi e saiu-se do centro de Lima. Estes sítios são sempre mais baratos, e quase sempre se encontram no centro de Lima, o problema é que à saída podemos ficar sem o produto, pois a probabilidade de roubo é muito grande.
Martes e o sol são um par ideal. Penso que houve poucas terças em que o astro não aparecesse antes de eu abrir o olhito… Um dia que se previa particularmente cansativo e intenso. Trabalhar para recuperar o tempo perdido no dia anterior e aproveitar o facto de ficar por aquelas bandas para se poder avançar alguma coisa. Eram já oito da noite quando me pus a andar do emprego, com uma dor de cabeça terrível. Para trás ficava um almoço muito refastelante e um jogo Inter vs FCPorto que pecou pela pobreza e pelos erros cometidos pelos dragões. Agora só resta o meu Sporting na Europa. Mas por este andar, já não sei onde vai para. Ora tanto joga muito bem e goleia, ora não dá uma para a caixa e não faz nada. Recorda-me uns amigos e muitos companheiros de universidade. Cabeças muito boas, com enorme capacidade de raciocínio, mas que andam anos sem fazer nada e de repente, pressionados talvez pelos pais, fazem como 14 cadeiras num ano!!! Excelente! Mas depois andam mais um ou dois anos a mandriar… Assim é o meu Sporting, um triste retrato de um estudante que tanto é capaz do melhor, como de seguida do PIOR. Mas pronto…
A caminhada de meia hora até à Alianza Francesa fez-me bem. É um edifício com traços colónias. As cores, o formato em forma de U, as arcádias com os seus grandes a altos arcos, uma varanda a todo o correr, e no meio, completamente a destoar mas muito bem encaixado, um típico café parisiense. Não faltava a sua esplanada de mesinhas e cadeiras de madeira com almofadas de um tecido de riscas azul, verde ou vermelho com branco, um toldo verde a cobrir toda a área com um texto em letras douradas a dizer Café e umas floreiras a toda a sua volta delimitavam o perímetro de uma qualquer praça francesa invasora de uma arquitectura totalmente espanhola. Um anfiteatro composto por muitas caras bonitas esperava pelo início de um espectáculo sobre um índio da floresta amazónica. Macunaíma de título, Mário de Andrade, esse grande escritor brasileiro, o seu autor. A música brasileira soava no ouvido como um revitalizante, e só o facto de a narração do conto ter partes em português já era um motivo de satisfação. As luzes apagaram-se e de entre as paredes escuras apareceu uma senhora, que teve um desempenho fantástico, acompanhada por um músico não menos fenomenal. Quer na facilidade na narração do conto, quer na destreza da interpretação das personagens, conseguindo de um forma muito ágil prender a atenção das pessoas por quase uma hora e meia. A tudo isto soma-se a dificuldade em narra-lo, nalgumas partes, em Português (língua original, nos diálogos), em francês (quem paga J), e maioritariamente em espanhol.
No final, a oferta de um pisco souer, ajudou à conversa e ao términe de uma noite em beleza.
Quarta-feira, o dia mais produtivo da semana. Trabalho das 10 às 9 com muitas poucas interrupções. O hábito é tal que já tudo me passa ao lado. Tirando a Suiça que esteve de novo em casa para se despedir e passar a noite, não há nada de novo a assinalar. Esta vez estava mais bonita ainda. Uma corzinha escura acentuava-lhe os traços finos e uma beleza natural. Uma longa conversa entreteve-nos uma pequena parte da noite. A pobre da rapariga a meio teve uma quebra de tensão, o que vos pode levar a pensar que era da seca que estava a levar, mas não, fez questão de continuar uma vez que era ela quem estava a conduzir a conversa. Fiquei a saber que há o Boom Festival em Portugal. Fiquei impressionadíssimo e a pensar que até no Cú do Judas se aprende sobre o nosso país! Não é que tivesse aprendido muito, mas é uma novidade para mim! Ao que parece é um festival de música psicadélica, ou Boom como ela dizia e eu não entendia. … Nunca na minha curta vida tinha ouvido falar em tal estilo. Pelo meio Portugal, Suiça, Cusco, Ásia, Europa, musica, Equador, escola, universidade, Bolívia, Peru, amigos, neve, sol, frio, clima europeu, etc. e tal. No final, uma breve despedida, pois quando regressa-se já não a iria ver, e a promessa de um reencontro, quiça em Portugal agora na Queima das Fitas. Mais de resto, nada a assinalar, tirando os telefonemas do papá e da mana, e o regresso do meu pesadelo a casa. Espero que por pouco tempo…
O sol apareceu de uma maneira esplendorosa. Ainda não eram 7 da manhã e já um raio me atingia “mortalmente” o sono pesado. Abri o olhito, como se da primeira vez se tratasse e voltei a “cerralos” como num piscar de olhos. O levantar custou um bocadito, a conversa foi longa e as horas de sono escassas. Tal como nós, também o sol quis mostrar a sua melhor face na despedida de tão harmonioso figura. Os relógios, o queijo, os chocolates e a neve esperam o regresso de mais “uma filha pródiga”, que após 3 meses de deambulação pela América Latina volta a sua terra natal. Pelos vistos não por muito tempo. A rapariga tem planos tremendos…
O dia decorreu com algum cansaço e dores de cabeça a servirem de companheiros. Assim também chegou a noite, que em contraste com o dia mudou de humor tornando-se pesada e fria.
Ah, quase me esquecia. Afinal já não vou dia 28 de Abril… Vou a 2 de Maio…a minha mana vem cá e “obrigou-me” a adiar o voo. 40 Dollars. Chulos! Agora dou razão a quem diz para não se acreditar nas agências de viagem. Aí em Pt, disseram-me que não pagava nada, aqui chulam-me dinheiro. Apetece-me dizer “Roubaram a gaveta?? FDP…”
Sexta-feira, ultimo dia de uma semana cheia de trabalho e com algumas novas experiências. Para trás ficam a visita ao super-hiper-mega mercado de produtos sem IVA e com proveniência indefinida. Macunaíma lá regressou à sua selva e eu continuo na minha. Todos tentam sobreviver às adversidades da vida. Crianças vendendo caramelos, flores e agendas, cantando e tocando nos autocarros e ruas distraindo os passageiros e transeuntes, em vez de se entreterem com números e letras nos bancos da escola. Pequenos engraxadores com a “trouxa” às costas vagueiam pela rua, olhando e fazendo sinal para todos os pares de sapatos que passam, esperando que alguém entregue o seu calçado a um tratamento de beleza executado por uns dedos finos e manchados por tinta negra em vez da tinta de canetas ou marcadores. Uma triste realidade, para a qual, uma simples moeda em vez de ajudar apenas piora a situação.
O dia passou-se rápido em trabalho e em busca de uma passagem de autocarro para Trujillo. Coisa impossível em vésperas de Semana Santa. São 4 dias de “férias” para os peruanos e 5 dias para o pessoal da minha “oficina”.
No final do dia, uma Ceia Crioula, esperava pelos estrangeiros da Universidade Católica. Entre trainees de AIESEC e alunos de intercâmbio, estávamos numa espécie de república, cerca de 100 pessoas. Tendo como centro das atenções a comida peruana, europeus, americanos, australianos, asiáticos e africanos, reuniram-se em volta de uma mesa. Em um pequeno espaço, pouco mais de uma centena de almas demonstravam que é possível existir uma coabitação pacífica e salutar de pessoas e culturas dos 5 continentes. Aí conheci entre mais pessoas, uma brasileira. Até que enfim alguém que fale português. Esta era a opinião de ambos. Trocados e-mails e algumas ideias ficou combinado um encontro a ocorrer por um destes dias. Paulista de nascimento, italoportuguesa de descendência, ficou surpreendida, e eu também, por saber que estudei na Universidade de Coimbra. A mais famosa no Brasil e na qual quer fazer uma pós graduação em história ibérica. Afinal, os milhentos protocolos do Dr. Fernando Rebelo com universidades brasileiras deram resultado… :) Lá a espero!
A noite terminou numa discoteca, a Bierhouse, onde no meio de muitos copos, salsa, merengue, rock e pop conheci uma Dinamarquesa muito fixe mas muito bebida… Cansado, não resisti às 4 badaladas e já com os olhos a piscar regressei a casa onde de uma assentada adormeci que nem uma rocha.
A garganta seca pedia por água. A cabeça meia tonta reclamava um guronsan. O corpo mole e dormente um banho frio e “despertante”. Tomado um bom pequeno almoça, hora de ir a uma sessão da AIESEC. Uma actividade de boas vindas e de reinserção na sociedade de dois trainees peruanos vindos da Índia. Se pensava que o Peru era muito corrupto e degradado fiquei algo surpreendido quando o relato de ambos, faziam um retrato ainda pior do que eu pensava saber sobre este país península em pleno Oceano Índico. Desterrados numa das cidades varridas pelo Tsunami natalício, viveram alguns episódios curiosos, entre os quais ameaças e abandono por parte dos seus anfitriões. Ao que parece o Indiano e alguém sem palavra, vingativo, um pouco racista e que tem sempre razão! Bem, algumas destas características já conhecia, mas explicadas com exemplos e queixas reais, devo dizer que me surpreendeu um pouco tal personalidade. Não todos, mais as pessoas das castas da classe média e alta que têm acesso a boa educação e serviços, e que, devido a questões culturais, são superiores aos demais indianos e se acham superiores também os estrangeiros que para lá vão estagiar. Ainda bem que não fui para lá, senão ia-mos ter problemas… Paradoxalmente a estes “pavões asiáticos”, os restantes serviços eram fenomenais. Em jeito de graça virou-se para os trainees dizendo:“-Agora já sei como se sentem vocês aqui no Peru. Ao contrário do meu país, podia entrar nos melhores restaurantes, bares e hotéis que era recebido quase de passadeira vermelha!”. Com a prova de comida indiana, que me deu um começo de diarreia, diga-se de passagem, terminou a sessão que se revelou mais interessante do que eu imaginara. De regresso a casa, mais um dilema. O cansaço abatia-se sobre o meu corpo mas a vontade de sair era imensa. Vencido pelo físico, fiquei a ver um filme e a recuperar o meu corpo para uma semana que se prevê difícil e cansativa.
Um dia de sono completo. Domingo apareceu solarengo. Pelo menos ao meio-dia, hora do meu despertar. Com um Barcelona vitorioso e um Real Madrid de volta às boas exibições tomei o meu pequeno-almoço reforçado. Ao fim de ver as estrelas espalharem a sua magia pelo relvado, hora de trabalhar umas horas extra. Infelizmente hoje não deu para ir à praia. Fica para um próxima… Acabado o trabalho, esticar as pernas era o próximo passo. Destino, Larcomar. Objectivo, informações turísticas sobre o norte do Peru. Na tenda de turismo, para minha surpresa tinham informação em português. Nada de mais óbvio, uma vez que este país faz fronteira a Este com a maior nação da América do Sul, Brasiu, país irrmãou!
No regresso, uma passagem pelo parque Kenedy hoje decorado com corredores de poemas e cartas de amor, ao estilo do Central Park de Nova Iorque com a sua decoração dos artistas plásticos bulgaro Christo e Jean Claude, francês. Nas mãos da maioria das pessoas, um ramo especial era acessório quase obrigatório. Hoje, dia 20, é Domingo de Ramos, e como hábito num país fortemente católico, a tradição da bênção dos ramos ainda é mantida e muito respeitada. Mesmo numa cidade, “cosmopolita” como Lima, e no seu centro mais cultural como é Miraflores.
No regresso a casa, um jantar de Tagllari Verde, para dar força ao SCP para segunda-feira, e uma espreitadela na Internet. Tiago Monteiro em 12º na F1 e a Briosa ganhou! Estamos no bom caminho, mas ainda não conseguimos a manutenção. Após uma ausência de uma semana, regressei ao café Zeta e qual o meu espanto quando vejo que mudaram de empregados… Todos se foram, não ficou nenhum! Será que houve “limpeza de balneário”? Ou entraram todos de férias? Não sei! O que sei é que à nova empregada que me atendeu, também com um lindo sorriso, diga-se de passagem, já não podia pedir “o mesmo”… Lá tive que lhe explicar como queria o capuccino. O que fez com enorme competência dada a qualidade do café. Aí terminei o livro de contos de Carrapito, aldeia em Aguiar da Beira, escrito por To-Zé e Carlos Paixão. “Dias de Fazer”, um livro para quem quer saber como era a vida nas antigas aldeias beirãs do interior norte de Portugal. Quem como eu, cresceu rodeado pela natureza e num ambiente rural, é um livro que traz nostalgia e recordações do tempo de menino. Muito bom, altamente recomendado!